E se, outra vez...

E se, outra vez...



De joelhos no chão, o corpo derreado na direção da bacia sanitária,

Gabriela vomitava. O cabelo, de uma beleza virginal, revoluteava com

seus movimentos quase convulsos. Barulho de maçaneta, porta logo aberta.

- O que é isso, Gabriela? - mulher com o jornal na mão aproximou-se.

Ajudou-a a erguer-se com cuidados maternais.

- Mamãe - ela murmurou - É já a terceira vez.

Uma consulta médica foi marcada. Gabriela compareceu. Exames não

encontraram nada. Seu namorado de há três meses começou a preocupar-se.

Na terceira consulta, o facultativo aventou exame de gravidez. A mãe

protestou: a menina era virgem. O médico, no entanto, deu-lhe um sorriso

onde incredulidade e piedade se misturavam.

Deixaram o consultório com o pedido e as lágrimas de Gabriela.

Absurdo! Um insulto! Isso era porque eram do morro! Deveriam processá-lo.

Então fizeram, mais para ter bases para um processo. O resultado foi

inacreditável. Surpresa e tristeza em uma só medida. Gabriela protestava

sua virgindade, enquanto o namorado, agora ex, brindava-a com apodos

deselegantes. O pai não lhe dirigia a palavra; a mãe queria morrer. Além

da gravidez, havia a mentira. Meu Deus, quanta hipocrisia!

Gabriela parecia ser moça quieta, tímida e centrada. Era bonita,

mas não tanto, era inteligente, mas nem tanto assim. Beleza tinha, e não

de se jogar fora, mas havia nela um certo ar corriqueiro, uma certa

expressão que parecia dizer que ela, afinal, não era lá ninguém muito

especial. Mas tinha bom sentido de humor e longas pernas. Ia de casa

para a escola e da escola para casa. Eventualmente à missa e em visitas

à casa da avó. Todo o mundo a respeitava, ao menos, até saber da gravidez. Então começou a ser

considerada sonsa e dissimulada.

Os pais mandaram-na encontrar emprego. Ela deixou a escola e começou

a trabalhar de doméstica. Diariamente, subia e descia o morro,

enquanto a barriga crescia. Os meses passavam, como que

corressem do calendário.

Uma bela noite, era Carnaval. Toda a cidade estava animada. Turistas

vieram de todos os pontos cardeais... Pelo menos, de todos os

municípios limítrofes do lugar.

Gabriela terminara o expediente. Barriga grande, fome ainda maior. A

cidade atulhada de gente. Sentia-se mal. Os trios elétricos deixavam-na ainda mais

zonza. Um e outro atiravam-lhe olhares e palavras indelicados à sua

passagem. As lágrimas rolaram-lhe, mais uma vez. Barulho,

empurra empurra. Uma vida e meia para chegar até o morro.

Lá chegando, não podia subir. A polícia estava lá. Não era seguro

voltar para casa. Olha para um lado, olha para o outro. Pensa no que

fazer, não faz nada. A roupa molhada

denunciava seu estado. E, enquanto a água pingava, alguém se destacou da

multidão.

- Gabriela, o que você está fazendo aqui? Sai daí!

Era o namorado. Briga e mágoa esquecidas, ultrapassou a pequena

muralha humana para chegar até ela.

- Bem, vamos sair daqui! Já tem dois presuntos lá em cima.

Puxou-a pela mão. Ainda descia-lhe água. Todos os olhavam, mas,

estranhamente, pareciam invisíveis, pois ninguém lhes oferecia auxílio.

Aquele taxista fingiu não lhes ver o gesto esperançoso, à percepção de

turista evidentemente endinheirado; o ônibus negou-se a parar longe do

ponto e no lugar certo, também.

Tinham que achar um hospital. Pega um atalho, para chegar mais de

pressa. Pouco a pouco, pouco a pouco, tudo ia ficando para trás. A dor

aumentava e as forças diminuíam. Cansada, deixou-se estender no chão

de pedra.

A noite caíra, por completo. As estrelas pareciam mais

brilhantes que nunca.

Apavorado, ele colocou-a nos braços e começou a caminhar com ela,

para o hospital cuja localização perdera de todo. Nem soube

porquê, depois, seus passos o guiaram para a areia da praia. Deitou-a,

suavemente. Observou-lhe o rosto delicado e quase infantil, banhado

por aquele céu de maravilha. Toda ela era pequena, redonda, frágil,

exalando doçura e urgência. Deus, como a amava! Por que deixara ela que outro chegasse primeiro, quando

tinha, a esperá-la, o maior amor do mundo?

Os lábios entreabertos, o belo corpo contorcido na tentativa de

conter a dor. De repente, de lugar nenhum, vieram três mulheres. A aparência

não deixava dúvidas sobre sua origem. Uma delas adiantou-se, sem dizer

palavra, e, com uma rapidez espantosa, fez dos presentes uma equipe de

trabalho eficaz.

Os quatro despiram-na. E, de repente, sem aviso, uma forte luz

inundou-os. Brilhou, intensa, soberana, cegando a todos por um segundo.

E, quando cessou, já eram seis os que ali estavam. Gabriela segurava

nos braços seu bebê encantado. Seus vagidos enchiam a noite de doces

promessas. Do céu, música angélica parecia derramar-se do infinito. Os

anjos conseguiram, afinal... Ele voltara.

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