O pior da manhã

Chamava-se Marina, mas era quase como se não tivesse nome.
Passava sem ser vista por aquelas ruas largas, semeadas de carros e
indiferença{,} e ignota pelas avenidas duplas e seus semáforos
intimidantes. Era só uma menina. Pés descalços, olhos arregalados,
como em constante expectativa.
Morava com a tia e mais cinco irmãos. O pai estava preso; a mãe{sem
vírgula}
sumira{sem o "se"} em um carnaval, fazia já quatro anos.
Parou. Estava cansada. Era exaustivo andar tanto. Encostou-se {a} um
muro e ficou olhando os carros que passavam velozes. Já eram seis
horas da manhã. Ainda tinha de andar tanto!
A barriga deu sinal. Estava com fome. Desde às três da tarde{sem
vírgula} do dia
anterior, não comia. Olhou as casas, imponentes e aristocratas, faiscando
no esplendor do Morumbi. Devia arriscar?
Na mente, ainda reboava a recomendação{qual?} gritada pelo interfone, no
dia anterior. Hesitou. Voltou a caminhar.
Era provável que{,} se estivesse calçada, bem vestida e penteada, as
pessoas {a} parassem e perguntassem onde estava sua mãe; entretanto, como
estivesse vestida daquela forma, era tácito que ela não tinha mãe. Pelo
menos, não o tipo de mãe com que os bons samaritanos de ocasião
desejassem perder seu tempo.
Uns quinze minutos mais tarde, a fome foi maior que o orgulho e o
medo. Parou. Ficou na ponta dos pés. Apertou o interfone. Um toque só,
para não irritar. Uma menina atendeu. Parecia ser da idade dela.
- Alô... - Disse a vozinha infantil. - QUer falar com quem?
Marina hesitou. Não, ela não queria falar com ninguém.
- Não.
A voz do outro lado também silenciou, provavelmente{sem vírgula} tentando
entender. Depois, perguntou:
- O que você quer, então?
Aquilo era fácil. Ela respondeu:
- Comida. Eu estou com fome.
A interlocutora improvisada{por que improvisada?} hesitou novamente.
Depois{sem vírgula} perguntou:
- Serve pão?
Marina abriu um sorriso:
- Sim! - Respondeu a menina, sem disfarçar a alegria.
- Eu vou levar pra você.
O interfone silenciou. Marina sentou-se na calçada, cutucando uma
ferida no pé esquerdo. OUviu-se um clique. O portão {se} abriu. Ela
levantou-se, limpando as mãos na calça.
- Oi... - DIsse a recém-chegada.
Trazia vestido um uniforme escolar e duas transinhas no cabelo
brilhante e negro. Cheirava a colônia infantil. Era gorducha, de
bochechas rosadas. Trazia{palavra repetida} nas costas uma mochila e{,} na mão, uma bandeja.
Em cima da bandeja{,} havia um pão e um copo de leite.
- Mamãe disse para você beber o leite e me devolver o copo, mas que
o pão você pode comer depois.
Em silêncio, a menina tomou o copo e bebeu. Era leite quente, com
açúcar e café. Estava gostoso. Muito gostoso.
- Qual o seu nome? - Perguntou a garota da bandeja, curiosa.
- Marina Ferreira Silva. E o seu?
- Milena Novaes Nass.
Marina estendeu o copo. Milena pegou.
- Agora eu tenho que ir para a escola. - Disse ela, entrando em
casa.
- Tá. Obrigada.
- De nada.
O portão imenso fechou-se. Marina afastou-se, feliz, acariciando o
pão fresquinho e ainda quente, adivinhando o gosto da manteiga.
E então, depois de caminhar um pouco, sentou-se em uma {amurada} para
comer. Era melhor que {previra}! Estava realmente delicioso! Tão
delicioso! Mordeu uma, duas, três vezes. O estômago agradecia. A
boca{sem vírgula}
sentia e saboreava. Comia devagar, remexendo cada bolo alimentar com
vontade.{sem reticências}
Foi então que ela {o} viu. Era alto e também tinha uma mochila nas
costas. Andava apressado. Olhou para ela e sorriu. Ela sorriu de volta,
sem jeito. Parecia ter uns quinze anos. Então ele passou por ela e, sem
acalmar o passo, retirou-lhe o pão da mão e atirou-o para o meio da rua.
Marina olhou-o, chocada. Ele riu, divertido, enquanto um carro,
indiferente, passava por cima dos restos daquele alimento.
marina quis gritar, mas ele já ia longe, fones enfiados nos ouvidos
e o passo lépido e indiferente de quem estava totalmente de bem com a
vida.

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